16.2.09

SOSSEGO

Não me peças para ser claro,
eu não tenho de ser claro.
Não me exijas coerência,
eu sou contraditório como toda a gente,
e a coerência só se mede a largo prazo.
Retribuir o afecto na medida exacta do afecto
que nos dão
é uma defesa,
quando não sabíamos senão dar-nos todos,
e quase esquecemos saber como dar-nos.
Dou-me, sem clareza, contraditório,
com o mesmo coração que sempre tive,
e que venceu a prova de não se tornar
num cínico.
Dou-me, no ritmo certo do sossego
de quem não se furta, nem se oferece em sacrifício,
ao amor,
mas não suporta mais um certo lado da coisa,
chamemos-lhe a confusão,
um sentimento de abandono ou traição,
nas horas mais amargas,
uma estória estúpida que era escusada,
nas mais indiferentes.
Dou-me com um caminho meu a trilhar,
enquanto o trilho não me dou por inteiro,
pé ante pé escolho o percurso sobre as opções dos outros,
caibo ou não caibo?
e talvez um dia encontre um lugar,
que os lugares são as pessoas.
E qual é a minha escolha?
Começar do zero. Contigo, com tudo, com todos.
Dar-me sem exigir nem clareza, nem coerência aos outros.
Nem sequer que estejam certos.
Ir vivendo com o que me dão e com o que não tenho.
Nunca me contentar com o que vivo, mas contentar-me com o que recebo.
Retribuir o afecto na medida do afecto expresso. Isso é cautela e tem um tempo.
Não tem de ser o teu afecto. Sossego.
Nem quero afecto.
Às vezes não te quero.
Além disso, sinto-me bem.

14.2.09

Vamos tentar

Não preciso da tua mão na minha,
segue-me apenas com o olhar,
escolhe comigo caminhos,
vamos tentar.

11.2.09

O ritmo do real



O feito está feito,
o dito está dito,
e o tempo mina pouco a pouco a importância das coisas,
embora só a enferruge.
O ritmo disto será o meu,
ou não será,
e pode ser o de uma improvisação do chucho valdès,
porque esse me alegra as manhãs,
e faz de mim um centro,
e não a periferia da vida de ninguém,
ou o gajo dos dias de banco de outrém.

Como pode ser mais confuso regressar do que partir,
eu não sabia,
agora sei e estou preparado,
já nada me surpreende,
nem o sentir finalmente de vez,
que perdi um lugar.
Há muitos lugares.
Por vezes, muitos lugares convergem num lugar apenas.
No caos cósmico não há certo nem errado,
e o justo é apenas um conceito humano.
Sejamos humanos.
Sejamos felizes.
Só não sejamos indiferentes.
O feito está feito,
o dito está dito,
e com surpresa não há senão alegria,
a prova de que queremos viver é que ainda estamos vivos,
e não há senão o que está por fazer,
e alguns afectos,

uns entre demais,
entre os outros que temos e os que podemos buscar,
também não se apagam,
esses nem enferrujam,
podem é exprimir-se de outra forma,
ou apenas ficar adormecidos,
mas latentes.
Mas o ritmo disto é o meu,
e só o meu,
ou não seria,

e um beat apenas, esperando eternamente pelo segundo tempo
também pode ser um ritmo,
se não quisermos dançar a outro.
É como eu vejo, sinto, quero.
E eu quero muito.
E não há drama,

e nem perdi ninguém,
não me perdeste,
porque nem todas as cicatrizes são salgadas para que não nasçam flores,

mas as flores sabem de onde vieram,
e que nem tudo é sol e água,
também há pedra e sal.
E por isso são mais bonitas,
assim como nós nos tornamos pessoas melhores,
e o que mais nos faz crescer não são as boas experiências,
crescer tem naturalmente dor,
mas na fronteira com a dor também há satisfação.
Cá estamos. Vidas solitárias e vidas em comum constroem-se, descontroem-se, mudam de rumo, persistem em continuar mesmo quando não estamos cá para ver. Cá estamos.
Não me fui embora.
That's life for you. Peace 'n' love y'all :)

10.2.09

Lisboa não cheira, Snifa.

... e, apesar do desmame antes da hora e Barcelona a saber-me a pouco, e de mais despedidas, alguém nos dizia que era hora, a dúvida, sempre a dúvida a nascer, sobre para onde pende a balança entre os lugares e as pessoas, eu a perseguir-me mais do que nunca, porque quando estamos por nós estamos como sempre connosco mas temos outra consciência de nós, vivemos connosco sabendo melhor com quem vivemos, mesmo que nem sempre seja certo o que queremos. Eu quero parar. Pousar a mochila, descansar as costas. Reencontrar coisas de que não me desfiz. Reencontrar pessoas, crianças, os afectos que me preenchem, os que ainda tenho. Volto com espanto a um cantinho deste mundo global em crise onde o imobilismo é tal que apesar do desespero actual - esse não é nacional - a própria crise parece que não mexe, e mesmo quando se agudizam as contradições, o ritmo não muda e vai-se vivendo no mesmo passo de caracol. Onde me faltava o ar, parece-me agora que afinal se respira, e que pelo menos algumas coisas boas se vão criando, e que ficar não é apenas um masoquismo, mas também o passo certo para me voltar a sentir em casa. Entretanto mudei, e a minha vida mudou. Estranho pensar que ela aqui continuou apesar de eu estar longe, que os meus afectos aqui me seguraram e que outras vidas se desenrolaram bem no meio do que aqui foi a minha vida, como se me esperassem para um novo capítulo. Volto à mesma Lisboa, às mesmas pessoas, ao mesmo imobilismo nacional, à falta de ar, e ainda por cima faz muito frio, e o clima está cinzento, assim como quando me deixa incapaz de pintar a cores. Mas ao contrário, sinto os pulmões descansar da poluição barcelonina e apesar do tabaco em demasia, trago comigo ar fresco para distribuir à minha medida, nas limitações da minha fragilidade - a de tod@s - encontrando forças que são minhas e que sei suficientes para sobrar para os outros. Saiba eu amar. Saiba eu voltar a ser amado. Saiba eu continuar o esforço titânico da minha vida para acalmar o bicho do mato que me determina o carácter, aprender a voltar a dar-me, mas sem me empurrar para o extremo oposto de dar tudo sem fazer por mim. Saiba eu fazer-nos felizes, e não me excluir como observador externo da minha própria vida e das dos outros, que estão na minha. Saiba eu perdoar sem perder o sentido da injustiça. Saiba eu não me lamentar pelo tão pesado fardo dos últimos anos sem saber ver o que ganhei. Valha-me a experiência, já que não o juízo. Saiba eu merecer a tua amizade, o teu carinho, ou pelo menos o teu respeito. Saiba eu não perder mais ninguém, a não ser no que nos impõe a precariedade da vida, mas a morte não me assusta, só me assustaria não viver. Saiba eu aceitar as perdas - porque podem doer mas não podem moer toda a vida -, saiba eu merecer o que tenho, ou torná-lo útil, porque tenho tudo. Saiba eu lutar, porque nos falta muito. Saiba eu ser teu amigo e ajudar-te como fizeste por mim, para que não te arrependas de teres voltado. Saiba eu cuidar desta bola de pelo que herdei sem saber como e cujo coração se inquieta com a quantidade de mudanças e me inquieta a ler horas a fio como se dá banho a bolas de pelo como tu. Descansa, bebé, descansa. Não partiria sem ti. Descobre a vida vagabunda que é sina de acompanhar-me. Adormece com a minha música sem medo do acordar. Possa eu tocar. Possas tu brincar. E sabe que vou aprender a cuidar de ti, que saberei cuidar de nós, e nunca nenhum carinho te faltará. Não espero menos para mim. O resto é tudo o que não controlamos, mas por isso mesmo não nos faz perder o sono. Tudo na vida é improvável. Como escreveu o Botto, "mentir é importante, se parares de me mentir, deixo de te amar". É agora que vamos ser felizes. Sei que é mentira, mas não faz mal porque é melhor o que vem quando não esperamos nada. Pelo menos no breve instante em que fazemos que acreditamos. Como não é a vida que está mais simples, sei que sou eu menos dramático, ou simplesmente mais forte, que é o que acontece quando nos enfrentamos e resolvemos finalmente o peso dos nossos fantasmas, que não são mais do que as coisas que temos por resolver e nos pesam. A vida, no fundo. Não me falta nada, talvez nem o teu carinho em certos dias. Precisamos ambos de mimo. Também sabemos dá-lo. Ora, há dias e dias. Nos melhores, como nos piores, até colhemos o que semeamos. E é isso que está ao nosso alcance. Welcome back into my life, baby, esta pantera está de volta.